A Pata da Gazela - José de Alencar
Análise
O romance A Pata da Gazela foi escrito baseado no conto A Cinderela.
O autor aproveita-se do enredo, no qual uma jovem, ao entrar apressada dentro
de uma carruagem, perde um par de seu sapato, que é encontrado por um rapaz.
Inquietado pelo calçado, ele sai à procura da dona do objeto, não desistindo
até encontrá-la. A partir daí, o romancista desenvolve seu enredo, um texto
irônico e crítico sobre a sociedade brasileira do século XIX. O livro é a
tentativa de José de Alencar de mostrar como o amor deve ser, não pela plástica
como o de Horácio, mas pela alma como o de Leopoldo.
Outra dimensão de um romance
é sua historicidade, isto é, seu caráter de objeto produzido num determinado
momento histórico, destinado a ser consumido por um público de características
específicas e fruto de uma concepção de literatura muito peculiar. No caso de A Pata da Gazela, sua publicação em 1870 imerge-o em plena moda romântica, quando o
romance visava ao entretenimento e para isso envolvia o leitor em peripécias
sucessivas: fazia-o presenciar cenas patéticas de paixões não correspondidas,
fazia-o comover-se com desencontros lacrimosos, tudo isso para possibilitar ao
leitor identificar-se aos personagens e assim escapar, por instantes, à rotina
do cotidiano burguês.
É justamente o que ocorre
com este romance, em que Alencar fornece ao público os ingredientes que este
estava habituado a consumir e com os quais costumava se identificar: o meio
social é a alta roda carioca, em que as mulheres são belas, ricas e
apaixonadas; os homens galantes dançam quadrilhas e frequentam a ópera. É,
portanto, na alta burguesia brasileira do século passado que Alencar constrói o
romance que, em si, repete a velha fórmula do triângulo amoroso.
Linguagem
Além do tom irônico e
crítico, o autor também usa sempre expressões galicizadas (adaptações do
francês), ao invés de usar palavras francesas, uso comum da época,
nacionalizando assim a linguagem.
O romance mantém um certo
bom humor, fazendo uma sátira ao dom-juanismo romântico. A metáfora do leão e
da gazela compõe uma desmistificação da retórica romântica. Mas, é mantido seu
romantismo falando das núpcias sigilosas e dos sorrisos da mulher amada como do
dote de cem apólices e dos pezinhos de Cinderela.
Foco
narrativo
A Pata da Gazela narra em terceira pessoa, um romance vivido na alta
roda carioca, repetindo a velha fórmula do triângulo amoroso.
Nesta obra, o narrador é uma
presença constante, descrevendo-nos o ambiente onde a ação se passa,
apresentando-nos os personagens cujas idéias e sentimentos nos desnuda,
introduzindo-nos enfim, como leitores, no universo representado pelo romance.
Tais intromissões do narrador na obra garantem a esta um caráter familiar e
moralista, principalmente se observarmos que o narrador se aproveita disto para
teorizar a respeito da natureza dos sentimentos humanos, para criticar costumes
da época, para pormenorizar hábitos dos salões, cariocas do século passado,
etc.
Amélia, a heroína que
preenche todas as qualidades acima citadas, é disputada por dois apaixonados:
Horácio e Leopoldo, que representam os dois pólos do mundo romântico: Horácio é
o leão, rei dos salões, o homem preocupado com a própria elegância, volúvel
destroçador de corações femininos. Entediado com a vida, uma vez que o número e
a diversidade das conquistas amorosas o desinteressaram de novas aventuras
galantes, apaixona-se pela misteriosa portadora de um mimoso pezinho, tão
minúsculo como a botina que ele encontrou na rua. Leopoldo, sonhador, pálido e
macilento, descuidado no trajar, virgem de amores femininos e magoado pela
recente morte da irmã, apaixona-se à primeira vista pela dona do sorriso
entrevisto numa carruagem parada na Rua da Quitanda.
O romance ganha suspense,
pois o narrador oculta a identidade da dona da botina, retarda o final da
história e complica seu desenlace, pois a dona da botina e do sorriso são a
mesma pessoa, Amélia, que acaba por preferir Leopoldo, cujo amor é sincero e
desinteressado.
O leitor treinado na leitura
deste tipo de romance antecipa seu final. Isso de modo nenhum diminui o valor
da obra, uma vez que o final feliz e a conseqüente premiação da virtude e o
castigo do vício são típicos dos romances românticos.
Horácio, por exemplo, é
tratado sem nenhuma complacência pelo narrador: seu dom-juanismo, sua figura de
janota, a vacuidade de sua vida são ironizados a cada passo. Talvez aí se possa
ver a atitude romântica de despeito pelo indivíduo acomodado ao status quo da
época, sem a auréola de marginalização e inferiorização que atrai as simpatias
do narrador para Leopoldo. Assim, a oposição entre os dois rivais não é
gratuita: é a forma de o romancista valorizar, através da figura de Leopoldo,
os atributos indispensáveis ao herói romântico. Já entre as figuras femininas
da obra a oposição de caracteres não é assim tão marcada: tanto Laura como
Amélia são jovens, belas e ricas. Por que, então, a presença de ambas? Para
haver possibilidade de suspense, para que Horácio se divida entre elas na busca
de sua Cinderela, e para que sua busca termine na cena grotesca de ele beijar
os pés deformados de Laura.
Enquanto Horácio enceta a
busca dos pés que calcem a minúscula botina que ele idolatra no altar de sua
casa, Leopoldo entrevê um pé defeituoso subir à carruagem de sua eleita. Mais
tarde, vendo o lacaio desta retirar no sapateiro uma botina disforme feita de
encomenda, convence-se de que sua amada é aleijada. Dividido entre a atração do
sorriso e a repulsa pelo pé, Leopoldo luta consigo mesmo durante dias, até que
finalmente percebe que o defeito de Amélia não é empecilho para sua adoração.
Seu comportamento é, pois, tipicamente romântico: o amor é o encontro de almas,
e detalhes físicos não empanam a sublimidade de tal sentimento.
Enredo
A história se passa na
cidade do Rio de Janeiro, em pleno século "burguês". Amélia, uma
mulher bela e rica, vai ser disputada por Horácio e Leopoldo.
Horácio, homem elegante não
só no traje como em no trato pessoal, poderia ser considerado um dos príncipes
da moda, um dos leões da Rua do Ouvidor.
Cansado de suas aventuras
amorosas, apaixona-se e sai à procura de uma misteriosa mulher portadora de um
minúsculo pezinho e dona da delicada botina que encontrou na rua, deixada cair
por um lacaio que passara correndo por ele.
Leopoldo, pouco favorecido e
respeitado de beleza, simples no vestir, trajava luto pesado não só nas roupas
negras como na cor das faces e na mágoa que lhe escurecia a fonte, pela perda
da irmã.
Virgem de amores femininos,
apaixona-se pela dona do sorriso que viu em uma carruagem.
Horário, conhecedor dos
corações das mulheres, acreditava que elas eram uma obra suprema. O amor não
tinha novidades nem segredos para ele. Sofria imaginando se algum sapateiro com
suas mãos aleijadas tomavam medidas de seu adorado pezinho.
Assim corria espetáculos e
bailes, tentando descobrir por baixo da orla do vestido o ignoto deus de sua
adoração.
Num teatro encontra-se
Amélia com sua prima Laura. Leopoldo decidido a conservar o luto, estava
presente e pede informações sobre as moças a Horácio, pois sua paixão
continuava intensa e ardente.
Leopoldo, encontra as moças subindo na carruagem e apressa o passo. Fica imóvel, seus olhos viram um aleijão, um pé disforme.
Leopoldo, encontra as moças subindo na carruagem e apressa o passo. Fica imóvel, seus olhos viram um aleijão, um pé disforme.
Amélia após vários encontros
com Horácio, na casa de D. Clementina que gosta de reunir moças, formando pares
para dançar, foi pedida em casamento. Amélia pede um prazo de 15 dias antes de
dar a resposta.
Leopoldo soube da notícia
com mágoa mas sem se perturbar, amaria unicamente sua alma, essa ninguém
poderia roubar, porque Deus a teria feito para ele.
Findo o prazo, Amélia tinha
ares de quem sucumbia ao compromisso contraído. Num baile escuta Horácio
falando a Leopoldo que não sentira antes a menor comoção ao ver Amélia. Mas
quando soube que a ela pertencia o tesouro, a botina, adorou-a.
Horácio conta-lhe sua
versão, o vulto confuso, o defeito que ela tinha: um pé aleijado.
Amélia sai do baile e
convida Horácio para ir a sua casa. O moço encontra-a bordando, e na conversa
ela esconde as lágrimas. Lançando um olhar para a moça, viu alguma coisa que o
sobressaltou. A fimbria do vestido suspensa descobria o pé da moça, o moço
estremeceu: era o aleijão. A moça foge da sala.
Sentindo a necessidade de
sair da posição difícil em que se achava, dirigiu-se à casa de Amélia, procurou
manter um clima de guerra, pois ficou sabendo que a moça encontrava-se com o
Leopoldo na casa de D. Clementina. O rompimento era infalível, compreendera que
tudo acabara.
Horácio aproxima-se de Laura
achando que o misterioso pezinho lhe pertencia. Aproxima-se e freqüenta a casa
da família e lhe faz crer que se aproximou de Amélia para vê-la.
Amélia vai às compras com sua mãe e encontra o Leão, e disfarçadamente deixa à mostra pousados na calçada dois pezinhos mimosos que palpitavam dentro de botinas de merinó de cor cinza. Horácio fica pasmo.
Amélia vai às compras com sua mãe e encontra o Leão, e disfarçadamente deixa à mostra pousados na calçada dois pezinhos mimosos que palpitavam dentro de botinas de merinó de cor cinza. Horácio fica pasmo.
Amélia e Laura eram primas e
amigas. Laura usava sempre roupas compridas, disfarçando os pés disformes.
Amélia tinha dois pezinhos de fada, os dedos pareciam botões de roca. E para
poupar a prima do constrangimento, Amélia encomendava os sapatos na rua onde
Horácio encontrou a botina perdida.
Foi quando decidiu manter
Horácio à prova, colocando a botina monstruosa de sua prima. Excitou o horror
em Horácio.
Aproxima-se de Leopoldo,
convidando-o a freqüentar a sua casa, e conta-lhe que escutou a sua conversa
naquela noite do baile.
Horácio descobre seu engano
e resolve reconquistar Amélia. Encontra com Leopoldo, um cavalheiro mudado,
boas maneiras com sóbria elegância, e sabe que só o amor traz estas
transformações.
Não desiste, e indo a sua
casa presencia o enlace de Amélia e Leopoldo, que o fazem sem prévia
antecipação.
Leopoldo casa-se sem saber
que a noiva não era um aleijão e esta prepara-lhe uma surpresa, exibindo seus
dois pezinhos divinos, de onde apareciam as unhas rosadas.
Termina o romance com
Horácio falando: O leão
deixou que lhe cerceassem as garras; foi esmagado pela pata da gazela.
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